Espaço Cultural
do Povo
Xukurú do
Ororubá

Vestidos de trajes típicos, caciques de diversas tribos do Nordeste fizeram um ritual em homenagem a Chicão

De: Fábio Araújo - (Enviado especial) (1)

Uma multidão estimada em três mil pessoas acompanhou, ontem pela manhã, o enterro do cacique da tribo Xucuru, Francisco de Assis Pereira de Araújo, o Chicão, assassinado a tiros na última Quarta-feira. Logo nas primeiras horas da manhã, já era grande o movimento de carros, caminhões e ônibus nas vias de acesso à tribo, transportando índios de diversas etnias, além de simpatizantes da causa e interessados em participar daquele momento solene. O corpo de Chicão, que morreu aos 48 anos, foi enterrado na aldeia Pedra d’água, num local sagrado situado dentro da mata.

O velório do cacique havia acontecido durante a Quinta-feira, num clima de grande revolta e tristeza. Algumas horas antes do enterro, o caixão foi colocado em frente à Escola Procurador Geraldo Rolim Mota Filho, dentro da tribo, para possibilitar a última homenagem ao líder índio. A essa altura, já era grande o número de pessoas que se espremiam para vê-lo pela última vez. A viúva Zenilda Maria de Araújo e os sete filhos, reunidos em torno de Chicão, eram o próprio retrato do desespero. Ainda muito abalados pela perda, mal conseguiam falar.

Às 8 h, o primeiro momento de emoção do dia. Caciques e pajés de diversas tribos indígenas, vestidos em trajes típicos, fizeram uma pajelança em honra a Chicão. As etnias Pankararu, Truká, Fulni-ô e Kapinawá, de Pernambuco, Potyguara, da Paraíba, Xokó (Sergipe) e Xukuru-Kariri e Karapotó (Alagoas) enviaram representantes. Meia hora depois, começou a lenta caminhada em direção à floresta, quando ficou evidente o grande número de pessoas que havia se deslocado até a aldeia. Os cânticos religiosos e o triste som da flauta indígena se destacavam em meio ao respeitoso silêncio. Espalhados pelas vias de acesso, trinta policiais militares montavam guarda para evitar novos transtornos.

Não havia espaço para todos que tentavam acompanhar de perto os últimos momentos junto do líder. Quando o caixão chegou ao local escolhido – foi o próprio Chicão quem pediu para descansar junto da natureza – muita gente já estava em cima das árvores, para ter uma visão privilegiada da cerimônia. Ninguém conseguiu segurar o riso quando um galho quebrou e um índio veio abaixo, sem se ferir. Mas esse foi talvez o único momento de descontração. Enquanto o caixão descia à cova escavada na mata, a viúva Zenilda balbuciava, com a voz embargada pela emoção. "Acode teu filho. Mãe Natureza. Faz justiça pelo sangue derramado".

O índio Antônio Pereira de Araújo, primo do cacique e vereador de Pesqueira, passou a comandar os procedimentos. "Nada de revolta. Não queremos vingança, e sim justiça. Enquanto houver um único índio aqui na Serra dos Ororubás, o ideal de Chicão será lembrado", exaltou. Em seguida, o enterro foi usado como palanque por políticos, que fizeram discursos lembrando a memória do líder e pedindo para que a tribo não desistisse de lutar por seus direitos. Militantes do MST tentaram colocar uma bandeira do Movimento junto com o caixão, mas foram impedidos pela família.

Depois da tragédia, pelo menos uma boa notícia para os Xucurus. O presidente da ONG Mirim-Brasil, Anacleto Julião, anunciou que uma organização sueca havia liberado recursos para a construção de um posto de saúde na aldeia, uma antiga reivindicação do povo. Previstos para iniciar já no próximo mês, os trabalhos devem ser concluídos até o final de 1998. A ONG também foi responsável pela construção da escola Procurador Geraldo Rolim Mota Filho, em 1995.

(1) EM: Jornal do Comércio – Recife. 23 / 05 / 1998