Espaço Cultural
do Povo
Xukurú do
Ororubá

XUCURU SE UNEM NA LUTA PELA TERRA

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Bastava observar o semblante dos Xukurus para perceber o quanto o cacique era querido em sua tribo. Poucos conseguiam esconder a tristeza ao passar ao lado do caixão. Uma índia, já com idade avançada, mostrava desespero. "Nosso cacique se acabou. Mataram nosso Chicão. O que vai ser de nós agora?", repetia em voz alta. Abraçada ao caixão, precisou ser apoiada pelos companheiros para continuar andando. Diversas índias, tanto jovens quanto idosas, mostravam-se muito nervosas e tiveram que tomar calmantes, típico remédio de homem branco.

Casado há 28 anos com Zenilda Maria de Araújo, Chicão deixou sete filhos e seis netos. O enterro estava marcado para ontem à tarde, sendo adiado apenas porque três dos filhos do casal moram em São Paulo e não conseguiram chegar a tempo. "Espero justiça, porque ele foi morto barbaramente. A gente sabe que o crime aconteceu por causa da luta pelas terras", disse Zenilda, tentando demostrar força depois do choque. Segundo ela, há dez anos que o cacique recebia ameaças de morte. A mais recente foi feita há duas semanas, através de um telefonema para casa da irmã de Chicão, Marli.

"Ele sempre me dizia: ‘véia, eu sei que vou morrer para conseguir nossos direitos. Mas não vou parar nunca com a luta’. Assim como a Mãe Natureza o enviou, tenho certeza que mandará outro para continuar o trabalho", declarou Zenilda. Em suas palavras, a voz de um líder foi calada, mas não a voz do povo.

Com o desaparecimento de Chicão, os Xucurus terão agora que escolher um novo cacique. "Isso vai acontecer muito em breve, provavelmente amanhã. A comissão interna e os representantes das 23 aldeias vão se reunir e decidir quem será o novo líder", disse o índio Antônio Pereira da Silva, primo do cacique morto. Segundo ele, escolhido terá que ser uma pessoa muito preparada, pois ficará responsável por uma população de mais de seis mil índios.

Uma das principais lideranças da tribo é o índio conhecido como José de Santa, da aldeia Pedra D’Água. "Com certeza nossa luta sofreu um grande abalo. Todo mundo está doído por dentro, mas ninguém vai desistir", assegurou. Para o índio, um dos méritos de Chicão foi o de ter preparado outros integrantes da comunidade para substituí-lo, o que vai facilitar a escolha e a continuidade da luta pelas terras da tribo. Os Xucurus ocupam menos de 20 % dos cerca de 27 mil hectares da reserva.

O restante continua nas mãos de fazendeiros e posseiros. Para Ângelo Bueno, integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o governo federal é o maior inimigo dos índios. "A partir do momento em que a terra está demarcada e identificada, o governo é culpado por se omitir de sua responsabilidade de homologar a posse da terra para os índios", acusou. Perguntado sobre o que espera a partir de agora, Ângelo foi categórico: "justiça, como há muito tempo não se faz".

(1) Em: Jornal do Comércio – Recife. 23 / 05 / 1998