Espaço Cultural
do Povo
Xukurú do
Ororubá

VELÓRIO É MARCADO POR LÁGRIMAS E REVOLTA

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O corpo do cacique Chicão chegou a este Município (Pesqueira) por volta de 1 h de ontem sendo velado, durante toda a madrugada, na Escola João XXIII, vizinha ao local do crime. Pela manhã, uma missa de corpo presente, celebrada pelo bispo da Diocese de Pesqueira, Dom Bernardino Machió, na Igreja Nossa Senhora das Montanhas, foi marcada por forte emoção. Logo depois, cerca de duzentos índios levaram o caixão até a aldeia em Pedra D’Água, distante do centro desta cidade cerca de três quilômetro.

Na aldeia, a escola Procurador Geraldo Rolim foi escolhida para a visitação pública. Centenas de pessoas superlotaram o local. Índios, representando os povos Potiguara (PB), Carapotó (AL), Fulni-ô, Truká, Kambiwá, Kapinauwá, Atikum e Pancararu, todos de Pernambuco, estiveram em Pedra D’Água para dar o último adeus ao cacique morto. Numa reverência ao líder, cerca de 150 Xucurus dançaram, no final da tarde, o Toré, indicando que apesar da dor e revolta, a luta pela demarcação das terras continuaria. "Morreu meu pai", gritava Cícero Pereira da Silva, que apesar da idade (65 anos) não se conformava com a perda. Entre os mais revoltados, o índio Milton Rodrigues Cordeiro, 50 anos, amigo de Chicão, assegurava que a tribo resistiria. "Não vamos desistir da nossa terra. Queremos prisão para os assassinos", disse.

O administrador da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Pernambuco, José Osório Galvão, esteva na aldeia e acompanhou o velório. Admitiu que o crime teve repercussão internacional. Negou, no entanto, fazer qualquer ligação entre o assassinato e a questão agrária. "A Funai não pode, no momento, afirmar que o crime esteja ligado à demarcação", disse.

O enterro do cacique, programado para ontem, acabou sendo transferido para hoje, à 8 h. Isto porque a família decidiu esperar a chegada de dois filhos de Chicão que moram em São Paulo. No início da noite de ontem, os deputados Paulo Rubem Santiago (estadual) e Fernando Ferro (federal), o secretário de Justiça de Pernambuco, Roberto Franca e representantes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Conselho Missionário Indigenista (Cimi) e da Mirim Brasil (Organização Não-Governamental) estiveram na aldeia.

Jornal do Comércio: 22 / 05 / 1998