Espaço Cultural
do Povo
Xukurú do
Ororubá

RELATÓRIO DA VIAGEM AO POVO XUKURU
2 a 4 de MAIO 1998

Participantes:
Francisco de Assis Siqueira – Coordenador Técnico
Henrique André Ramos Wellen – Técnico em Computação
Aloys I. Wellen - Coordenador do Projeto

Sábado: dia 02 / 05 / 1998:

Ao chegar em Pesqueira, no bairro Xukuru, nos encontramos com uma das lideranças do Povo Xukuru, o Sr. José de Santa, e com ele fomos juntos para a aldeia Pedra D’Água, onde fizemos a entrega de mudas: de plantas medicinais e de mandacaru (sem espinhos). Estas mudas, em primeiro lugar se destinam a sementeira, pois servem de ração, substituindo a palma (ração para o gado). Estas são destinadas para as famílias da nova retomada, nas chamadas fazendas Tianante e Sítio do Meio. Além destas foram entregues também algumas plantas medicinais, destinados para o uso do Pajé do povo Xukuru e D. Zenilda, estes que usam constantemente plantas medicinais no meio dos Xukurus.

Em seguida, visitamos a sementeira de café, também na aldeia Pedra d’água, a qual tem 81.000 mudas, adquiridos pelo projeto com o financiamento e orientação técnica da EMATER/PRO-RURAL-PE. São mudas que servirão para o plantio, em parte com sistema de irrigação e em parte sem irrigação, este último chamado sistema sequeiro. Estas mudas serão distribuídas, no mês de junho, para 19 (dezanove) famílias, em várias aldeias do povo Xukuru que estão envolvidas em todo o processo deste projeto e já receberam os primeiros ensinamentos técnicos.

Então, discutimos os preparativos para o encontro dos Professores, a se realizar nos dias 4 e 5 de maio, na aldeia São José. Depois de ter dado uma revisão no material necessário para o encontro, foi providenciado, juntamente com os professores coordenadores, o restante de material.

Terminado este trabalho, fomos às aldeias Sucupira e Caípe de Baixo, visitando e convidando os representantes destas e de outras aldeias, como também os demais interessados, para a reunião no Domingo, na casa do Sr. Biu, localizada na nova retomada, na aldeia Tianante.

Pernoitaram, Chico e André, na casa do cacique, o Sr. Chicão, enquanto Aloys ficou na casa da liderança Sr. José de Santa.

Domingo: 03 / 05 / 1998:

Logo cedo, o Sr. Severino, Presidente da Associação do Povo Xukuru, nos mostrou o novo reservatório d’água que está sendo concluído na aldeia Pedra d’água. Fica situado perto da casa do Pajé, Sr. Zequinha, e fornecerá, por declivo, água potável para todas as famílias nesta aldeia. A construção do reservatório já está concluída, como também a encanação está quase pronta. Estão sendo construídos diversos chafarizes centralizados para as casas que facilitarão o acesso à água potável. Por enquanto esta encanação será utilizada para o consumo de água nas casas dos moradores, não estando disponível para as irrigações de plantio de hortaliças ou frutas.

Um pouco acima do reservatório d’água está sendo construída uma ampla lavandaria para estes moradores.

Logo em seguida, fomos para a área da nova retomada, a antiga fazenda Tianante, cerca de uma hora de viagem de caminhonete, em estrada de barro, de difícil acesso.

Aí chegando, o Sr. Biu, o representante desta nova aldeia, nos mostrou a área desta retomada, que foi realizada em 16. 3. 1998, antes uma fazenda de um branco, proprietário de supermercado, em Pesqueira. Nota-se que é uma área ainda não muito atingida pela grande estiagem, pois dispõe de uma várzea ampla, uma parte plantada com capim elefante para ração de animais, outra parte de pastagem de capim braqueara. Aqui encontram-se as vacas comunitárias que fornecem, diariamente, leite para as crianças nas escolas das diversas aldeias. Fomos ver a forrageira, comprada pelo projeto Furne / Xukuru / GTZ que presta valioso serviço na alimentação dos animais e que servirá posteriormente também para fazer silagem para animais de grande e médio porte, quer dizer, para a criação de vacas, cabras e ovelhas. Aproveitamos a ocasião para trocar a Nota Fiscal (a original por uma cópia autenticada), pois na prestação de contas, feita pela Furne (Órgão de prestação de serviços da Universidade Estadual da Paraíba) do acima citado projeto deve constar a nota original.

  • Criação de abelhas:

Em seguida, foi iniciada a reunião com os antigos criadores de abelhas e criadores de cabras e novos pretendentes.

Presentes: 25 Xukurus, além das lideranças D. Zenilda, Sr. Zé de Santa, Sr. Severino e os coordenadores do projeto: Chico, André e Aloys.

Inicialmente, Aloys destacando a importância da criação de abelhas, tanto para a agricultura, plantação de verduras, como também para uma boa safra das fruteiras, fez um relato de como foi iniciado o projeto de abelhas. Os técnicos do Patac, de Campina Grande, fizeram 4 – 5 visitas, tanto para a escolha do lugar de criação, confeccionando, junto com os interessados, as caixas de criação, realizando treinamentos, dando explicações e iniciando, juntamente com 8 famílias de várias aldeias, a criação de abelhas. Depois, por falta de possibilidade financeira, a visita dos técnicos parou.

Hoje, precisa-se discutir como está esta criação de abelhas. Os integrantes do grupo fizeram, cada um, seu relato sobre a situação da criação de abelhas. Disseram, em resumo, que todos tinham grande interesse em dar continuidade a criação de abelhas e que, por motivos diversos, parou. Somente um, o Sr. Capitão, ainda hoje está criando abelhas, mas em caixas de madeira. Pois, e neste ponto todos concordaram, as abelhas não ficavam por muito tempo nas caixas de cimento, acham que nestas, feitas pelos técnicos de outra região climática, não são as apropriadas para criação de abelhas nesta região. Pois há épocas em que faz bastante frio aqui e, assim argumentam eles, a rainha foge por causa do frio e/ou da umidade na caixa e procura outro abrigo para o seu trabalho. Foi opinião unânime que não se deve continuar com caixas de cimento e sim com caixas de madeira, ou, caso seja necessário, revestir as caixas de cimento por dentro para oferecer um clima mais propenso para os trabalhos e vida das abelhas.

Todo o material comprado, assim como os instrumentos de trabalho de criação, de coleta e conservação do mel, está guardado em bom estado, para ser usado. Entretanto, insistiram, não se deve usar mais caixas de cimento, como foi ensinado...!

Haja visto que alguns dos antigos integrantes do projeto se mudaram ou não pretendem continuar no mesmo, se apresentaram os substitutos de maneira que o número ficou constante.

O Sr. Francisco Siqueira ficou encarregado de efetuar um estudo, com certa urgência, juntamente a entidades de criação de abelhas, sobre a possibilidade de fazer novos treinamentos, porém dentro dos novos padrões. Logo quando tiver respostas satisfatórias se comunicará com os interessados, para assim, garantir a continuidade da criação de abelhas; inicialmente para este reduzido grupo, posteriormente ampliando para diversas famílias interessadas em todas as aldeias do povo Xukuru, para, depois, serem atendidos também os interessados em outros povos indígenas e/ou de comunidades de camponeses.

  • Criação de cabras:

Em seguida foi debatido o assunto da criação de cabras. Há dois anos Aloys trouxe um aparelho de cerca elétrica, movida a energia solar. Foi feito um pasto comunitário, bastante grande, com condições de criar cabras e ovelhas do povo da aldeia de Caípe. Constatou-se, no entanto, que este aparelho não está funcionando a contento, pois os animais, cabras, bodes e ovelhas, passavam pela cerca. Apesar de muitos esforços, tanto dos criadores, como da equipe de coordenação, até hoje não foi encontrada ainda uma solução satisfatória para o problema. Hoje, os muitos moradores, também de outras aldeias, ainda criam cabras e ovelhas, mas em condições precárias, seja em locais pequenos ou na corda. Tanto um como outro não é solução para criar bem este tipo de animais.

Os integrantes do projeto manifestaram, unanimemente, a intenção da necessidade desta criação de pequenos animais, mas em condições favoráveis. Uma vez que existem áreas disponíveis poderia e deveria se pensar nas possibilidades, ou encontrar uma viabilidade para conseguir as condições necessárias.

Chico, então apresentou a possibilidade de um novo projeto, apoiado pelo Pro-Rural. Fez o convite aos participantes do antigo para se integrarem neste, pois assim, possivelmente, encontrar-se-á uma solução viável.

Está previsto a criação em grupos comunitários, onde há várias etapas a serem realizadas. Assim, após a escolha do lugar do criatório, far-se-á a construção de um aprisco, com abrigo e comedouro, e então a aquisição de bons animais, tanto para a produção de leite e carne, como também para comercialização.

Foram formados 3 grupos, o primeiro com 9 criadores, o segundo e terceiro com 3 criadores cada.

A Associação será o responsável pelo financiamento. Após os primeiros meses de realização do projeto e com êxito das criações, receberá, de cada um, o valor investido. Esta devolução, então, será investida em novos grupos que quiserem dar início à criação de pequenos animais, sempre em grupos comunitários.

Após uma ampla discussão de pormenores deste projeto, ficou acertado que o Sr. Chico trará um técnico em criação de pequenos animais. Será provavelmente o Sr. Melquizedec, do Programa Pró-Rural. Eles virão nos dias 16 – 17 deste para um novo encontro com os integrantes dos três grupos, para discutir, em todos os detalhes, a realização deste empreendimento.

No outro fim de semana, dias 23 e 24 de maio, estes dois vão encontrar-se com o Sr. Aloys, no Recife, para discutir os resultados desta reunião e determinar as medidas a serem tomadas.

Após o encerramento destas reuniões o Sr. Biu nos convidou para o almoço que foi aceito de bom grado e agradou a todos os convidados.

  • Convite para participar do Toré:

Às 14. 30 h no dirigimos, juntamente com o Sr. José de Santa, para o local onde ocorre o Ritual Sagrado, nas montanhas na aldeia de Pedra d’água. É mais ou menos meia hora de caminhada, por meio de pedras e montanhas – uma região muito bonita. Lá em cima, numa clareia, já estava muita gente reunida, esperando o início do ritual sagrado.

Enquanto o Aloys conversava com o Sr. Chicão, cacique do Povo Xukuru, o Mestre do Ritual, chamado Bacurau, dava os últimos preparativos para o início do mesmo. Durante este intervalo também chegou um grupo de turistas, na sua maioria estudantes das Faculdades de Vitória de Santo Antão e do Recife, pedindo uma entrevista com o cacique. O Sr. Chicão, com toda a sua paciência (também pelo abuso destes "intrusos" no local sagrado), respondia todas as perguntas feitas e dava as suas explicações sobre a vida, as tradições e os costumes do seu povo. Pedia com certa insistência, não perturbar o ambiente sagrado de seus parentes e amigos.

Foi dado início ao ritual. O Mestre do Ritual convidava os presentes, seus parentes e amigos, para integrarem o grupo de dança, cantoria e reza. No seu próprio ritmo, teve início do ritual. Sempre entoando novas cantorias, todos que queriam participavam, cantando o refém e se movimentando no ritmo determinado pelo Mestre.

É impressionante como os participantes índios se concentram neste ritual. Uma coisa que nós, que somos brancos – não só de cor mas também de pensamento e sentimento -, na grande maioria já perdemos. Eles, os índios, dançam e cantam com todo o corpo, com toda a sua alma e todos os sentidos e ficam compenetrados pela mensagem enviada aos deuses e espíritos superiores, agradecendo tanto as forças e os apoios recebidos, como também pedindo novas ajudas para as dificuldades e perigos vindouros.

Depois de um bom tempo do ritual cantado, rezado e dançado, o Mestre interrompeu, afim de as lideranças aproveitarem este encontro para comunicarem aos presentes seus avisos, reflexões, reclamações etc.

Inicialmente, o Sr. José de Santa usou a palavra, dando um relato sobre as diversas atividades desenvolvidas durante a semana, tanto por parte de lideranças como de outros grupos do povo Xukuru. Em seguida, convidou os Srs. Aloys, Chico e André para dirigirem algumas palavras aos presentes. Estes, cada um a sua maneira e do seu jeito, falaram sobre as finalidades de sua visita, relatando os resultados já obtidos e dando conhecimento dos projetos em andamento e a serem efetuados.

Em seguida, falou o cacique, o Sr. Chicão. Falou da sua responsabilidade de coordenar as atividades de todas as 23 aldeias do povo Xukuru, como também das diversas dificuldades encontradas nos últimos dias. Chamou atenção para que se tenha um pouco mais de paciência nas retomadas, pois cada retomada implica em muitos preparativos, muitos contatos com autoridades instituídas e requer um minucioso planejamento bem feito. Caso contrário corre perigo que a retomada não tenha um bom êxito o que significaria fracasso, o que não pode ocorrer, também pela responsabilidade que o Povo Xukuru tem como exemplo dos outros povos indígenas, principalmente do Nordeste.. Conclamou todos os amigos presentes, para animarem os seus irmãos índios, do povo Xukuru, para que cada um assuma a sua parcela de responsabilidade, pois assim as atividades desenvolvidas serão coroadas de pleno êxito!

Após o longo pronunciamento do cacique, o Mestre do Ritual, retornou à cantoria e à oração e todos participaram. No fim, agradeceu a presença de todos os presentes, convidando-os para o próximo encontro.

  • Reunião com lideranças:

De noite realizaram-se dois encontros: enquanto Chico conversou demoradamente com o cacique, Aloys, André e Zé de Santa e o Sr. Severino, conversaram sobre a Associação do Povo Xukuru, principalmente sobre o material confeccionado por André. Ambos encontros foram bastante proveitosos, atualizando-se nos assuntos e dando as suas respectivas sugestões...

Segunda-Feira: 05 / 05 / 1998:

  • Encontro dos Professores na Aldeia São José:

Participantes:
Total de 57 pessoas (professores e lideranças do Povo Xukuru)

Logo após da abertura do encontro, feita por uma das coordenadoras, foi elaborada a programação destes dias de encontro, a saber para a segunda-feira e terça-feira.

  • A história que vivemos

Os grupos que fizeram esta parte elaboraram um texto, a partir de entrevistas feitas com pessoas idosas das aldeias do Povo Xukuru. Foi muito interessante como as pessoas constataram o permanente espírito de luta que reina nos Xukurus desde a sua existência.

  • Apresentação de depoimentos:

O pajé do Povo Xukuru deu seu depoimento, baseado em fatos históricos. Ressaltou, antes de tudo, como foi a escolha do atual cacique, o Sr. Chicão, enfatizando como esta nova liderança trouxe muitos benefícios para as comunidades. Pois, a partir da entrega do cargo ao novo cacique, realizado tanto pela escolha e pelos poderes do pajé, como também pela unânime aprovação dos Xukurus, houve uma maior coordenação das atividades. Se os caciques anteriores, escolhidos principalmente pela Funai, seguiam mais as orientações desta, o atual cacique escuta as opiniões de seu povo, aprende pelos conselhos das lideranças e toma todas as decisões juntamente com o povo.

Em seguida falou o cacique. Este agradecendo os esclarecimentos do pajé, acrescentou que sempre trabalha em benefício do seu povo. É obrigação dele conduzir o povo para que este possa viver, conforme suas tradições e costumes na sua terra. Porém, há um grande empecilho, pois grande parte, mais de 85 % de suas terras, ainda estão em mãos de intrusos. Estes devem entregar as terras aos índios, mas estas reivindicações precisam, além de um perfeito planejamento, também o apoio de todos os seus parentes índios. Explicou, em seguida, um pouco da história do povo Xukuru, chegando aos nossos dias com o lembrete para todos os presentes:

somos nós que fazemos a história e ela é nossa vida!

Em seguida, D. Zenilda pediu a palavra para apresentar os seus pontos de vista sobre a história vivida pelo povo Xukuru. Foi interessante no sentido de destacar que todos os responsáveis pelo povo, até esta data, procuraram fazer o bem; entretanto, muitas vezes, as circunstâncias eram bastante adversas e o povo também não se interessava muito em assumir o seu próprio destino. Mas, todos merecem o seu respeito.

Nós precisamos aprender, tanto dos erros cometidos como também das vitórias alcançadas!

Em seguida, foi aberto o debate para o grande grupo, quer dizer, para todos os presentes e houve boa participação nas discussões. Ainda foram apresentados novos pontos de vista, diversos outros depoimentos, como várias críticas em relação à história vivida até os presentes dias.

Dando continuidade, foi proposta a elaboração de um novo texto que poderá servir, posteriormente, para compor um livro sobre a história do povo Xukuru, livro elaborado pelos professores indígenas do Povo Xukuru.

O Sr. Francisco Siqueira, o Chico, apresentou sua pesquisa como exemplo de procedimento de trabalho e de pesquisa comunitária. Ao elaborar a sua Monografia para conclusão do Curso de Associativismo, realizado na Universidade Rural de Pernambuco, contou sempre com a colaboração de vários representantes do povo Xukuru, para conseguir a coleta do material. Esta, titulada "Associativismo Indígena" foi apresentada, no Recife, na presença de vários representantes indígenas. Demostrou que, além do valor da associação do povo Xukuru, também fala do seu sistema de organização, ou seu sistema político. Seria interessante consultar este Organograma para entender melhor (e/ou ratificar) a estrutura do Povo indígena Xukuru.

Com o consentimento dos presentes foi estabelecido um novo calendário para a realização das diversas etapas, tais como entrevistas, depoimentos, elaboração dos relatos, revisão destes trabalhos e apresentação em forma de serem editados.

  • Volta:

Após encerramento destes trabalhos, Chico, André e Aloys voltaram, pois tem obrigações a cumprir que impedem a continuidade neste encontro.

Durante o caminho da volta pararam em São Caetano, fazendo uma reunião de avaliação deste encontro. Além disso, distribuíram, entre si, os trabalhos a serem efetuados, estabelecendo para cada um o seu prazo.

Água Preta / Campina Grande, aos 08 / 05 / 1998

Francisco de Assis Siqueira Henrique André R. Wellen Aloys I. Wellen