Espaço Cultural
do Povo
Xukurú do
Ororubá

XUKURU – Povo de Força e Coragem

Na visita ao Povo Indígena, Povo Xukuru de Ororubá, situado entre Pesqueira-Pe. e Monteiro-Pb., distante cerca de 260 km de Recife-Pe., no sertão de Pernambuco, fiquei bastante impressionado com a vida simples e as atitudes corajosas que estes Xukuru’s vivem no seu dia a dia, principalmente durante estes últimos anos.

Fiz esta viagem com o amigo Chico Siqueira. Chico é um velho conhecido dos índios do Nordeste, considerado amigo leal e tratado como pessoa de confiança. Isto tanto pelos seus muitos anos de vida e luta no Conselho Indigenista Missionário do Nordeste – (CIMI-Ne) – do qual se desligou no início de 95, como também pelo grande entusiasmo e idealismo que tem efetuado junto deles, principalmente junto às comunidades indígenas nordestinas. Enquanto isso, eu sempre atuei mais na retaguarda, mais nas discussões e debates, embora empenhado e compromissado com a questão e causa indígena. Chico sempre visitou as comunidades dos Xukuru’s, enquanto, no meu caso, fazia muitos anos que não tinha visitado este povo da Serra de Ororubá. Meus contatos sempre foram mais esporádicos, acontecendo mais por ocasião de reuniões com eles e/ou sobre eles, tendo como temas as tradições, os costumes e problemas surgidos. Tudo em vista da preservação das riquezas culturais que representam. A preocupação básica é a problemática da vida, as dificuldades e possíveis soluções a serem encontradas, mais por eles próprios do que pela nossa ajuda. Nos parece importante lembrar que o povo Xukuru é pobre por não ter acesso às suas terras, pois tão somente pouco mais de 10 % de sua área está sendo ocupada por eles. A maior parte desta terra, dos 26.000 (vinte e seis mil) hectares estão (ainda!) nas mãos de fazendeiros, que invadiram as terras deste povo, ocupando-as e explorando-as em benefício próprio.

Achávamos nós ser importante sentir mais de perto como está a situação atual deste povo. Este povo, que vive em 23 comunidades, cujos componentes assumem uma importante liderança dentro dos povos indígenas, principalmente no Nordeste, mas não menos respeitados pela sua organização entre os muitos povos indígenas no Brasil e na América do Sul, vive um momento crucial de sua própria subsistência e auto-afirmação.

No 1º dia nos reunimos com algumas lideranças. Colocamos a nossa preocupação com a situação atualmente difícil em que se encontram os diversos povos indígenas. Apresentamos a nossa disposição em ajudar, sendo importante decidir com todos como poderíamos colaborar melhor, especialmente em vista de suas necessidades básicas. Gostaríamos de contribuir para uma vida humanamente mais digna, dentro das especificidades de sua cultura, seus costumes e suas tradições. Foi uma conversa bem aberta, franca e, as vezes, bastante crítica. Todos achamos que este diálogo foi muito proveitoso. Ficou acertado que as várias propostas levantadas serão discutidas dentro de todas as comunidades. Posteriormente, então, faremos um novo encontro.

No 2º dia ainda visitamos algumas outras comunidades, escutando muito e sentindo as diversas dificuldades. Sempre deixamos claro que nosso papel seria de ajudar, talvez mais de incentivar, principalmente estando dispostos dentro do papel do irmão e amigo, como é o papel de verdadeiros amigos e estando dispostos a contribuir dentro das possibilidades de cada um de nós.

Fizemos, então, uma visita à área de demarcação. Fomos pela rodovia Pesqueira a Arcoverde, entrando no povoado chamado Ipanema. Previamente fomos avisados de que a situação naquela região estava bastante tensa. Importante é lembrar que durante todo o percurso dentro das comunidades do povo Xukuru, tivemos sempre um índio Xukuru nos acompanhando. Apesar de sermos conhecidos por muitos, as lideranças acharam esta atitude mais viável para nossa própria segurança.

Portanto, o Xukuru Antônio estava neste percurso com a gente. Logo ao sair do lugarejo Ipanema, indo na direção das fazendas que se limitam com a área indígena, avistamos um carro da Polícia Federal. Procuramos seguí-lo, tomando-o como guia. Logo em seguida, fomos obrigados a parar, e componentes da Polícia Federal pediram, cortesmente, para cada um de nós se identificar. Apresentamos, cada um, a nossa identidade e um dos Xukuru’s presente também nos identificou como amigos. Depois de andar mais uns 2 a 3 km, os policias federais pediram para estacionarmos o carro e, a partir de então, para continuar a visita aos Xukuru’s a pé. Já estávamos perto da área em demarcação, avistando a grande "fronteira" já aberta. Logo em seguida, fomos apresentados aos outros componentes da Polícia Federal, nos identificando de novo. Também aqui, já podíamos falar com alguns da tropa de trabalho dos Xukuru’s, que estavam efetuando a demarcação. Vale salientar que os Agentes da Polícia Federal estavam, todos, bem armados, inclusive com metralhadores. Além disso, bem equipados com rádio e binóculo especiais. Estes policiais nos confirmaram o clima tenso entre os fazendeiros e os Xukuru’s.

Duas equipes compostas por mais de vinte homens, cada, fazem este trabalho da demarcação. Consiste, primeiramente, no trabalho dos topógrafos profissionais que, obedecendo rigorosamente o limite estabelecido pelo Governo federal, indicam exatamente os pontos a serem marcados. Tivemos a impressão que é um trabalho feito com grande perfeição e bastante exatidão e profissionalismo.

Os Xukuru’s compõem a equipe do trabalho braçal. Equipados somente com foice e facão, abrem uma faixa de 6 (seis) metros de largura, que na sua extensão total deve perfazer uma distância de 90 (noventa) km. Apesar de ter sido prometido, os índios ainda não dispõem de serra elétrica. Não é fornecida alimentação. O transporte, da Polícia Federal, vem buscá-los às 6.oo h da manhã, na beira da estrada do asfalto, depois de cada um dos Xukuru’s já ter andado mais de 5 km a pé, da casa onde mora até o ponto da condução coletiva. Trabalham até à 5 h da tarde, conforme as informações obtidas. Então, o carro da Polícia Federal os deixa, novamente, no mesmo ponto da manhã para, então, no outro dia se repetir toda a trabalhada novamente. Trabalham da Segunda-feira até o Sábado, inclusive. Recebem diária trabalhada, R$ 2,50 – metade do salário mínimo, obrigatório neste País.

Vale salientar que enquanto os índios estão na corajosa ação desta demarcação, sob o clima, tanto de chuva como de sol, em meio à tensão, face às ameaças dos fazendeiros, não podem realizar a sua própria colheita do, via de regra, muito pequeno roçado.

Entretanto, acham e estão convencidos que este trabalho de demarcação é tão importante e vital que, por causa dele, vale a pena enfrentar a certeza de uma, pelo menos parcial perda da safra. Com isso deverá aumentar, no futuro próximo, o sofrimento e a fome destas famílias!

Vale a pena perguntar:

quem seguiria este exemplo dos Xukuru’s? Quem faria igual a eles para receber as suas terras de volta?! Quem é capaz de perceber neste amor à terra, ao pedaço de natureza que lhe dá água e fornece a subsistência, e portanto, paz e tranqüilidade, quem é capaz de perceber e admirar neste gesto uma manifestação de um dos seus traços culturais? Qual a autoridade brasileira que sabe disto e encara com seriedade este jeito de ser dos nossos indígenas??

Só podemos dizer a TODOS os componentes deste povo Xukuru:

PARABÉNS E MUITO ÊXITO NA GRANDE LUTA
E
OBRIGADO PELO ESPLÊNDIDO EXEMPLO DE CIDADÃO BRASILEIRO!!

Campina Grande-PB.., 19. 7. 1995
Aloys I. Wellen
(Prof. da UEPB)