Espaço Cultural
do Povo
Xukurú do
Ororubá

XUKURU - HISTÓRIA DO POVO

Sítio São José – Município de Pesqueira.

22 de Março 1992:

"Xukuru retomam terra tradicional – Liderados pelo cacique Chicão, 500 Xukuru ocupam a fazenda do maior invasor de suas terras, onde estão instalados ilegalmente 960 posseiros -

No dia 22 de março, os Xukuru da Serra de Ororubá, Município de Pesqueira, Pernambuco, comemoraram com uma festa um mês de ocupação da fazenda Caípe de Baixo, de propriedade do vereador Amilton Didier. Liderados pelo cacique, Francisco de Assis, o Chicão, 500 Xukuru ocuparam a fazenda na madrugada do dia 23 de fevereiro, portando arcos, flechas e instrumentos agrícolas como meios de defesa. Medindo 1.200 hectares, a Fazenda Caípe de Baixo é uma das propriedades incluídas nos 26.980 já identificados e delimitados pela equipe técnica da Funai em 1989 para fins de demarcação como terra tradicionalmente ocupada pelos índios.

Logo após a invasão, uma comissão da Funai de Garanhuns tentou negociar um acordo com os fazendeiros da região pelo qual eles desistiriam de reivindicar a reintegração de posse das terras ocupadas, desde que os índios assinassem um termo de compromisso garantindo não invadir mais nenhuma fazenda. As lideranças Xukuru rechaçaram a proposta. O fazendeiro Amilton Didier, tido como violento, não concretizou nenhuma reação. E os índios armaram barracas de palha em vários pontos próximos a um antigo engenho existente na área e começaram a preparar a terra para o plantio.

O cacique Chicão disse que "os Xukuru já estão cansados de esperar por promessas de solução que o governo e a Funai nunca cumprem". Ele informou que seu povo vive constantemente ameaçado pela fome por não ter onde plantar e, atualmente, os posseiros não permitem nem mesmo que os verdadeiros donos arrendem trechos da terra indígena para fazer roças. O cacique foi convocado para uma audiência na Justiça de Garanhuns dia 16 de março, mas decidiu não comparecer porque a convocação não foi feita por escrito. Segundo informou o assessor do CIMI-Nordeste, Saulo Feitosa, Chicão está sendo processado pela Funai desde 1990, por causa da destruição de uma barragem dentro da área indígena. A barragem foi construída em local errado e não estava sendo utilizada e, por isso, os índios a destruíram para fazer outra. Saulo encarou a convocação como uma forma de pressão, uma vez que o processo corre há dois anos e só agora, quando se intensifica a luta pela demarcação, é que os índios são convocados pela Justiça.

Os Xukuru pagam por suas terras:

Os 27 mil hectares que os Xukuru pretendem reaver encontram-se rateados entre 960 posseiros. Dos invasores, 31 são grandes fazendeiros, segundo o cacique Chicão, e os demais são pequenos agricultores. A maior área, com dois mil hectares, é a do vereador Amilton Didier, reocupada no dia 23 de fevereiro. O cacique Xukuru afirma que muitos dos invasores possuem registros de terras falsos e acusa cartórios da cidade de Pesqueira pela elaboração desses documentos. "Fazer escrituras de terras indígenas é desrespeitar a Constituição no seu artigo 231, parágrafo quarto, e a Lei N.º 6001 do Estatuto do Índio", alerta Chicão.

Dos 4.750 índios que vivem espalhados por 23 aldeias, apenas uma pequena minoria dispõe de algum pedaço de terra, no geral inferior a 10 hectares. A maioria há décadas pratica a agricultura de subsistência, pagando arrendamento aos fazendeiros pelas terras de que foram senhores tradicionais. Nos últimos quatro anos, porém, os invasores da terra indígena vêm se negando a arrendá-la a seus legítimos possuidores.

Constituição garante a terra dos índios:

A assessora jurídica do Cimi-Nordeste, Rosane Freire Lacerda, afirma que as reivindicações dos Xukuru sustentam-se em argumentos históricos e jurídicos. Rosane informa que aquele povo "já vivia na região de Pesqueira em 1654, quando chegaram os primeiros brancos invasores" e que tem a seu favor um ato imperial. "Em 1700, a Coroa editou um alvará concedendo um mínimo de uma légua de terra em quadra a cada missão. Era um quadrado de 6.600 metros para cada ponto cardeal, porque tratava-se de uma légua de sesmaria, que eqüivale aproximadamente a 14 mil hectares", diz a advogada. De acordo com o alvará imperial, para cada 10 casais o aldeamento recebia uma légua em quadra. Rosane acredita que os Xukuru receberam mais de duas dessas léguas, com base em uma tradição oral dos índios, segundo a qual a área em questão compreendia 40 mil hectares.

Também nas histórias contadas de geração para geração existe a versão de que no século passado a princesa Izabel ratificou os direitos dos Xukuru sobre a região da Serra do Ororubá. O cacique Chicão garante que seu povo possuía o referido documento até 1944, quando o sertanista Cícero Cavalcante de Albuquerque, do SPI, se apossou da escritura e mais alguns objetos antigos do povo Xukuru.

Rosane Lacerda sustenta que a falta do documento não atrapalha os interesses dos índios, uma vez que "o direito constitucional de posse permanente é originário, não depende de títulos". Além do mais, informa a advogada, a própria Funai já reconheceu os direitos históricos do povo Xukuru no relatório final do levantamento feito por técnicos seus em 1989, que propõe a demarcação dos 26.890 hectares...

EM: Revista Porantim. Em Defesa da Causa Indígena. N.º 146, Março 1992, p. 8.

 

04 Setembro 1992:

"Mais uma vítima no Nordeste - O fazendeiro Egivaldo Farias Filho, invasor da Área Indígena Xukuru de Ororubá, em Pesqueira, Pernambuco, assassina o filho do pajé numa emboscada –

Mais um conflito de terra resultou no assassinato de um índio na região Nordeste. Desta vez, a vítima foi o Xukuru José Everaldo Rodrigues Bispo, morto com dois tiros de espingarda 12, disparados em suas costas, e dois tiros de revólver calibre 38. O autor dos disparos foi o fazendeiro Egivaldo Farias Filho, invasor de 60 hectares da área indígena, na manhã do dia 4 de setembro, na comunidade de Cana Brava, Município de Pesqueira, Pernambuco.

Os antecedentes do crime foram contados ao Porantim por Ivam e Eduardo, da equipe do Cimi Nordeste. No dia 29 de maio passado, o Diário Oficial da União publicou o decreto que reconheceu, para efeitos de demarcação, a Área Indígena Xukuru de Ororubá, no Município de Pesqueira, com superfície aproximada de 26.980 hectares. No início do ano, os Xukuru haviam retomado uma área de 1.200 hectares, correspondentes à fazenda Caípe de Baixo, do fazendeiro e vereador do PFL, Milton Didier. O decreto da delimitação e da retomada da fazenda geraram um clima de forte tensão na cidade. Sob a liderança do prefeito João Araújo Leite, do PFL, estabeleceu-se uma aliança antiindígena entre os fazendeiros e a maioria das forças políticas locais. A área Indígena, é bem lembrar, tem 281 ocupantes ilegais, médios e grandes posseiros.

Passeata interrompida

No dia 27 de agosto, uma passeata pró-impeachment, da qual participavam mais de 100 Xukuru, foi interrompida por tiros disparados pelo prefeito João Leite. O alvo era um candidato a vereador, amigo dos índios e opositor do prefeito. O incidente provocou um clima de revolta e aumentou ainda mais a tensão na cidade.

Foi nestas circunstâncias que ocorreu o assassinato. José Everaldo, que era filho do pajé, foi alvejado na manhã do dia 4 de agosto, numa emboscada, pelas costas, quando se preparava para cortar cipó, numa mata perto de sua casa, no interior da fazenda do criminoso. Dois dias antes, Egivaldo Farias Filho havia matado com veneno quatro cães de José Everaldo. O assassino havia também proibido os índios de retirarem água e cipó de uma nascente dentro da fazenda. Uma das fontes de renda dos Xukuru é a venda de balaios e outros objetos feitos de cipó.

De acordo com Ivan e Eduardo, o criminoso estava também inconformado com um acordo feito por familiares seus com os índios, cedendo a eles um pedaço de terra de cerca de 500 metros quadrados para a construção de um campo de futebol. O acordo foi celebrado formalmente no dia 1º de setembro, na presença de representantes da Funai, entre uma prima de Egivaldo, Jussara, e a comunidade Xukuru.

A polícia não tomou providências:

O assassinato foi comunicado à polícia por um irmão do assassino. A polícia não tomou qualquer providência, no entanto. Sequer removeu o corpo da vítima para a perícia. A família de José Everaldo é que teve de levá-lo para um hospital de Pesqueira.

O criminoso fugiu para lugar ignorado. Revoltados, os índios foram até a sua residência, onde encontraram cartuchos de espingarda 12 já deflagrados e algumas anotações suspeitas. A que mais chamou a atenção foi uma lista com os nomes de 21 índios, entre os quais o de José Everaldo. Os nomes do cacique, Francisco de Assis Araújo, o Chicão, e do pajé, também estavam na lista. Em carta que encaminhou ao administrador regional da Funai em Garanhuns, Petrônio Cavalcanti, o cacique afirmou que a relação era de índios "que deveriam ser assassinados pelo facínora aqui mencionado (Egivaldo)". O cacique solicitou "que essa administração regional tome as providências necessárias para evitar a presença da família do agressor em nossa área, usando para isso a Polícia Federal, para que sejam evitados novos incidentes".

As ligações do assassino:

Na carta, Chicão explica que o verdadeiro motivo do crime foi a retomada da área para a construção do campo de futebol, "a qual foi liderada pela vítima". Segundo o cacique, "a terra reconquistada estava na posse da família do agente de polícia de Pesqueira, Elenildo Vital de Mendonça e Jussara de tal, de quem o criminoso é primo e cunhado. O agressor também tem fortes ligações com o fazendeiro José Cordeiro de Santana, conhecido por "Zé da Raiva ", homem violento e maior latifundiário em terras indígenas na Serra de Ororubá, que, inclusive, mantém gado nas terras do agressor Egivaldo Farias Filho".

Após a apreensão dos documentos, os índios atearam fogo na casa do assassino, confiscaram o seu gado e ocuparam a fazenda, de 60 hectares. Prometeram devolver o gado somente após a instalação do inquérito policial..."

EM: Rev. Porantim – Em Defesa da Causa Indígena -, N.º 150. Setembro 1992, p. 6