Espaço Cultural
do Povo
Xukurú do
Ororubá

DENÚNCIA

CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO
CIMI - REGIONAL NORDESTE
CAIXA POSTAL, 283
GARANHUNS - PE.

Devido à ação de autoridades Governamentais que implementam uma política contrária às Populações Indígenas no Brasil, e, especificamente no Nordeste, o CIMI (Conselhos Indigenista Missionário), órgão anexo à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), vê como necessário se tornar público fatos de extrema gravidade que vêm ocorrendo na área indígena Xukuru, no Município de Pesqueira no Estado de Pernambuco, com uma população de 4.500 indígenas, espalhados em 23 aldeias. Desde o período da Colonização que os Xukuru permanecem nessa região, nunca tendo saído dalí, como ocorreu com outros Povos do Nordeste.

No século XIX, os índios Xukuru participaram da Guerra do Paraguai e receberam das mãos da Princesa Isabel um Documento de doação da Sesmaria do ARAROBÁ.

No século XX, precisamente em 1944, o sertanista do SPI (Serviço de Proteção ao Índio), órgão que deu origem à FUNAI, Cícero Cavalcanti de Albuquerque, esteve na área e "surrupiou" os devidos documentos, fato este que veio contribuir para a invasão da área pelos fazendeiros.

Já em 1981, o CONDEPE (Instituto de Desenvolvimento de Pernambuco) realizou um levantamento dos povos indígenas, o qual concluiu dizendo que os Xukuru são um povo que vive essencialmente da agricultura, apesar de não terem terra para o cultivo.

Em face desses dados, vamos relatar alguns acontecimentos dos últimos meses relacionados com este povo:

  • Conscientes da garantia de seus direitos pela Constituição atual, começaram a refletir nas vinte e três (23) aldeias sobre a importância de terem demarcadas suas terras, para tanto, iniciaram um processo de reivindicação à Funai através de idas ao P. I. local. Administração Regional e Superintendência Regional, em Recife – PE.
  • Em Outubro/88, ficaram sabendo da implantação de um Projeto Agropecuário dentro de sua área (2 mil hectares) o qual foi aprovado sob condição da emissão de atestado administrativo negativo de presença indígena, a ser fornecida pela presidência da Funai. A beneficiária do projeto é a Empresa Vale do Ipojuca, S. A.
  • Os índios tentaram sustar o Projeto apresentando a Portaria n.º 3226/1987 que normatiza e estabelece a concessão de Atestados Administrativos e afirma no seu item VIII que:

VIII "A Funai não expedirá ATESTADO em áreas indígenas ainda não estudadas, ou seja, em que a Fundação não haja definido a imemorialidade, ou não, da posse dos silvícolas, conforme dispões o item III, sub-item 1, último parágrafo da Exposição de Motivos Interministerial MINTER/MA/MF, SC-CSN de n.º 062, de 16 de junho de 1980, aprovado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República e publicado no Diário Oficial da União do dia 08/08/1980 ".

  • Após estes fatos, um convite foi feito aos índios pelo Chefe do Posto da Funai Sr. Gilvan Cavalcanti: "Transferência deles para Pedra de Buíque". Cerca de mais de 200 (duzentos) índios foram à Sede do Posto da Funai reivindicar a demarcação da área e se recusaram a ir para Pedra de Buíque.
  • Paralelo a estes fatos, os fazendeiros com terra dentro da área indígena começaram a se reunir, inclusive houve uma reunião na Fábrica Peixe S/A.
  • As lideranças indígenas começaram a sofrer ameaças.
  • Os fazendeiros "Eudim Bezerra" e "Zé de Riva" sobressaem-se nas ameaças aos índios.
  • E, para exemplificar, o fazendeiro "Eudim Bezerra" prestou queixa na Delegacia de Pesqueira acusando o vice-cacique Francisco de Assis Araújo de estar planejando invadir as "terras dos fazendeiros". O Delegado o intimou e este foi à Delegacia juntamente com outros índios acompanhados pela Assessoria Jurídica do CIMI e lá disseram que esperam apenas a Demarcação de sua área tradicional.
  • O Delegado tentou impedir os índios de dançarem o TORÉ (dança religiosa) violando o art. 231 e parágrafo I, art. 215 e parágrafo I da Constituição Federal que diz:

Art. 231:

"São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º

São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Art. 215:

O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará o incentivo a valorização e a difusão das manifestações culturais.

§ 1º

O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional".

  • Ainda neste período, o Chefe do Posto da Funai Sr. Gilvan Cavalcanti foi procurado por índios, missionários, e a Assessora Antropóloga do CIMI que trabalha na área, para retirar um índio que estava preso ilegalmente na Delegacia de Pesqueira; o mesmo se recusou a ir alegando que já havia ido outra vez e a atitude do Delegado foi arbitrária.
  • Na Portaria n.º 001/89 de 02/02/1989 o próprio Juiz da Comarca reconhece que o agir do Delegado atende unicamente às pretensões dos proprietários e considera o fato de alguns índios terem sido recolhidos às celas da Delegacia de Polícia tão somente por imposição do Delegado sem o conhecimento do Juiz.
  • Nesta Portaria aludida, o Juiz nomeia um Bacharel da Assistência Judiciária do Estado para acompanhar a Comunidade Xukuru, pois algumas lideranças vêm sofrendo ameaças de fazendeiros locais, invasores da área indígena, principalmente do fazendeiro José Eudim Bezerra e "Zé de Riva". O advogado designado requereu proteção de vida para o vice-cacique Xukuru.
  • No dia 01/02/1989, os índios junto com o Conselho Indigenista Missionário – CIMI – foram a Secretaria de Segurança Pública denunciar as agressões praticadas pelo Delegado de Pesqueira José Petrônio Góes, popularmente conhecido por Jesus, e solicitaram a retirada do mesmo.
  • O Secretário de Segurança Pública designou o Delegado especial da Regional de Caruaru Walter Medeiros de Albuquerque para apurar as denúncias feitas pelos índios.
  • O Delegado especial ouviu o Chefe do Posto Indígena da Funai, o cacique, o vice-cacique e o pajé.
  • No dia 14/02/1989, a imprensa divulga que o inquérito foi concluído no dia 13/02 e o Delegado especial Walter Medeiros afirma em seu relatório que o Delegado José Petrônio Góes foi agressivo e temperamental e, às vezes, explosivo com os indígenas. Mas não ficou provado as acusações de tortura contra aqueles.
  • Na conclusão do referido inquérito, ironicamente, as vítimas são transformadas em agressores, sendo feitas várias acusações contra os índios.
  • No dia 15/02/1989 ao retornar à sua residência na Cidade de Pesqueira, o Missionário J. Borges foi interrompido por um cidadão que lhe mostrou uma arma e, verbalmente, o ameaçou de morte, caso o mesmo não saísse da região.
  • A situação na região é de tensão e intranqüilidade.
  • O elemento principal que leva a esta realidade de tensão é basicamente a omissão do Órgão Federal de Assistência ao Índio (Funai) que não iniciou o processo administrativo de demarcação na área indígena Xukuru.

Diante destes fatos, o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) exige:

  1. Respeito aos Direitos aprovados na Constituição;
  2. A demarcação da área indígena, segundo a reivindicação da Comunidade Xukuru;
  3. A remoção dos fazendeiros que estão dentro da área indígena;
  4. A transferência do Delegado José Petrônio Góes;
  5. A devolução do Documento retirado da Comunidade pelo Sertanista do SPI Cícero Cavalcanti de Albuquerque;
  6. Segurança de vida para os índios e os Missionários.

Recife, 20 de Fevereiro de 1989
Saulo Ferreira Feitosa
Coordenador Regional