Espaço Cultural
do Povo
Xukurú do
Ororubá

PAU VAI COMER EM PESQUEIRA

Em pé de guerra, índios Xukurus exigem devolução de terras

De: Anibal Alexandre (1)

"Índio quer terra. Se não der - pau vai comer". O aviso partiu dos índios Xukurus, da Serra de Ororubá, em Pesqueira, que prometem retomar suas terras, nem que para isso tenham de fazer uso da força. Eles estão revoltados com a ação dos fazendeiros que estão se apossando das terras para desenvolverem atividades de pecuária.

Apesar de um jornal local ter "constatado" não existir qualquer conflito na área, os conflitos existem e tendem a crescer. Principalmente agora quando entra em vigor a nova Constituição estabelecendo um prazo de cinco anos para a Funai demarcar todas as reservas indígenas. A determinação está no artigo 67 das Disposições Transitórias. Diante disso, os fazendeiros estão se apressando em tomar as terras produtivas para garantirem o direito à indenização.

Há poucos dias os Xukurus foram surpreendidos com a notícia de que o fazendeiro Otávio Carneiro Leão havia conseguido financiamento para implantação da Empresa Agropecuária Vale do Ipojuca S/A.O projeto, aprovado na reunião do Conselho Deliberativo da SUDENE no dia 30 de agosto passado, recebeu incentivo do Finor no valor de 101 mil OTN, para ser desenvolvido numa área de 2 mil hectares, no distrito de Cimbres, há 18 km de Pesqueira.

Para o projeto ser posto em execução, tem de receber autorização por parte da Funai. Ou seja, de acordo com a portaria interna de n.º 3226, de 21 de setembro de 1987, a emissão do atestado só se dará dependendo da comprovação ou não da existência de indígenas na área em que o projeto se desenvolverá. O atestado deve ser emitido unicamente pelo presidente-geral da Funai. E, ainda, o documento não poderá ser expedido caso a área em questão não tenha sido estudada -, ou indefinição do direito do índio sobre a terra.

De acordo com a matéria publicada num jornal local, o presidente da Agropecuária Ipojuca, Otávio Carneiro Leão, havia apresentado todos os documentos exigidos pela Funai. O superintendente regional da Funai em Pernambuco, Lauri Camargo, nega que isso tenha ocorrido. Esclarece ainda que a Funai cumprirá as normas estabelecidas. "O meu pronunciamento na SUDENE foi justamente para impedir que houvesse a liberação do projeto antes de se estudar a área e depois, ficar comprovada a existência de indígenas", garante Lauri Camargo.

Com receio de que outros fazendeiros da região recebam o mesmo benefício, é que os Xukurus estão se mobilizando. A primeira atitude deles será dar entrada na Justiça com uma ação cautelar para que o financiamento seja suspenso. Caso não dê resultado, os índios prometem dar o grito de guerra. "A Funai quer que os índios sirvam de bucha de canhão, porque ela só demarca terra onde há conflito", protesta o vice-cacique Francisco de Assis Araújo responsabilizando a Funai pelo que ocorrer daqui para frente.

A lenda de que os Xukurus são pacíficos não corresponde à verdade. Quem percorre a área observa que o que existe é medo de serem esmagados pelos fazendeiros. É o caso, por exemplo, de Luiz Caetano, da aldeia Brejinho. "Se o índio for enfrentar apanha. Para isso eles têm dinheiro. Para contratar jagunço" afirma, relembrando o caso ocorrido há dois meses, quando capangas do fazendeiro Justo Farias deu uma sova em Gentil Severiano, da aldeia Pé de Serra. De nada adiantou ter dado parte à polícia. O fato também foi comunicado à Funai que até o momento não tomou qualquer providência.

Mas retomar a terra é uma questão de honra para os Xukurus. Não há jagunço que os faça desistir desse propósito. "A gente não quer saber de jagunço. Eles não vão ficar contra nós. Arma a gente não tem. Mas tem coragem de meter a mão e sangrar. Eles que não sejam doidos de se meter com nós", avisa Severino Joaquim Nilo, o Boião. Toda essa revolta deve-se ao fato dele ter perdido 18 hectares de terra e agora, para poder plantar, tem de arrendar terra desses fazendeiros.

EM : Jornal do Comércio: 22 / 10 / 1988