Espaço Cultural
do Povo
Xukurú do
Ororubá

A QUESTÃO INDÍGENA

De: Manuel Correia de Andrade (1) 

É interessante que a população brasileira se aperceba de que ela não é tão homogênea como geralmente se afirma; sendo o Brasil um país de imigração, acolheu, durante séculos, europeus – portugueses, espanhóis, italianos, alemães, russos, judeus, etc. -, pessoas originárias do Oriente Médio, como turcos, árabes e judeus sefaraditas, e do Extremo Oriente, como japoneses, chineses, coreanos, etc. Para o Brasil foram trazidos ainda, durante o período em que existiu o sistema escravagista, milhões de negros africanos. Mas, além destes grupos que hoje formam a maioria da população e que para aqui vieram, durante séculos, por motivações as mais diversas, é preciso que se ressalte também a importância dos povos que já habitavam o país por ocasião da chegada dos conquistadores europeus – os indígenas.

É comum se falar em indígenas como se formassem um grupo homogêneo quanto às suas origens, à sua cultura e ao nível de civilização em que se encontravam no início do século XVI. Mas eles formavam vários grupos que lutavam entre si na disputa por terras mais férteis ou melhores localizadas, e grandes fluxos migratórios ocorreram antes da chegada de Cabral. Não se sabe ao certo qual o contingente populacional que ocupava o território brasileiro no último ano do século XV – o da descoberta do Brasil -, mas se admite que fosse de mais de dois milhões de habitantes.

A conquista portuguesa trouxe um grande impacto sobre os povos indígenas; em alguns pontos eles chegaram, inicialmente, a confraternizar com os recém-vindos, em outros logo entraram em luta ou se intrometeram nas lutas travadas entre portugueses e franceses ou entre portugueses e holandeses que disputavam a conquista e a posse da terra. Os alienígenas logo se aperceberam das divergências existentes entre as várias nações e trataram de tirar partido do fato, colocando umas contra as outras para mais facilmente conquistar a terra.

Iniciaram a colonização com uma terrível política de conquista, a fim de aprisionar os primitivos habitantes, expropriá-los de suas terras e escravizá-los. Justificavam a sua conduta alegando a necessidade de convertê-los ao cristianismo, possibilitando a salvação de suas almas após a morte. É bem verdade que entre os colonizadores havia grandes divergências, alguns missionários serviam aos interesses dos colonos e doutrinavam os indígenas para a escravidão, assim como benziam e justificavam a conquista, a dominação e a escravidão dos indígenas. Outros, como o padre Antônio Vieira S.J., defendiam o direito do indígena à vida e à liberdade. E a escravidão indígena, que continuou formalmente até quase aos nossos dias, foi abolida, juridicamente, no século XVIII, muito antes da libertação dos negros.

O morticínio indígena foi feito com tal violência, quer em luta, quer através de assassinatos, verdadeiros massacres, quer através da situação de pobreza e miséria a que foram reduzidos, ou através da transmissão de moléstias para as quais eles não dispunham de meios para reagir, que hoje a população indígena está reduzida a cerca de 200.000 habitantes. Esta população, que não se concentra em um único ponto do território nacional, se distribui em pontos os mais diversos e isolados, uns dos outros; existem contingentes indígenas tanto nos estados mais desenvolvidos, próximos até às grandes cidades, como acontece em São Paulo, como isolados na floresta amazônica ainda quase sem contato com os "civilizados". Mas o processo de espoliação continua; as madeireiras, os garimpeiros e os grandes pecuaristas – até empresas industriais – vêm avançando nos seus territórios, expropriando os verdadeiros donos da terra. O que mais espanta é que muitos brasileiros ficam indignados quando o governo delimita terras indígenas destinando-lhes grandes áreas, como ocorreu com os Yanomamis, mas não se revoltam quando se estabelecem, de forma violenta ou através de acordos escusos, grandes latifúndios, muitas vezes empresas estrangeiras. Não se apercebem de que, vivendo o indígena da caça, da pesca e da coleta, necessita de muita terra por habitante para atender às suas necessidades mínimas. É necessário que o governo atue com mais energia e que a opinião pública o apoie, a fim de que os primitivos habitantes do Brasil, o grupo mais autêntico de nossa população, subsista e dê uma contribuição cultural à formação do país.

ANDRADE, Manuel Correia de. Historiador e Geógrafo
EM: Jornal do Comércio, Recife. Dia: 15. 06. 1997, Caderno Opinião, p. 3.